segunda-feira, 13 de setembro de 2004

Aumentos, produtividade & companhia limitada

O recente discurso de Bagão Félix, deixa antever a lógica em que irá sustentar os aumentos salariais e a condução das contas públicas. Discurso que Santana Lopes, em estilo diferente, tem vindo, também, a propalar.
Falar que os aumentos salariais devem ser, em parte, resultantes de uma maior produtividade dos portugueses, é uma nova versão da falácia com que a matéria, invariavelmente, é abordada pelos governos. É querer fazer crer que os aumentos salariais com vista a elevar a qualidade de vida dos portugueses, dependem dos próprios. Em suma: temos de ser mais produtivos se quisermos ganhar um pouco mais.
Tudo como se tratasse de um projecto colectivo, em que todos participam. Daí que Bagão Félix queira falar de “oportunidade” e não de “sacrifício”. Convém-lhe.
Assim fica ultrapassado o discurso do sacrifício, do aperto do cinto, para que dias melhores se seguissem, do fugitivo Durão Barroso. Fica esquecido que há muito que o rendimento médio português é bem mais baixo que a média europeia. Numa manobra de palavras, tenta-se fazer esquecer, como que tampando o sol com uma peneira, algumas verdades que desmentem o novo discurso:
1 – O sistema fiscal em Portugal está distorcido, penalizando quem trabalha por conta doutrem e dando a maior das margens de manobra à banca e à actividade seguradora. A mesma banca que em 2003 [ano de patente crise e de crescimento do crédito mal parado] teve aumentos substanciais dos lucros.
2 – Temos uma péssima rede de transportes públicos, que aliada ao caos urbanístico resulta diariamente em conflitualidade rodoviária, perdas de tempo, gastos inúteis de combustíveis, etc.
3 – Temos hospitais que não dão resposta, com listas de espera que perduram.
4 – Temos tribunais emperrados e caros que não dão resposta em tempo útil e instituições burocratizadas.
5 – O Estado deve dinheiro a pessoal [médicos, enfermeiros, funcionários judiciais, etc.], a advogados [pelos serviços que prestam] e a empresas [que realizam obras públicas ou que fornecem bens e serviços a organismos públicos].
Mesmo assim, Bagão Félix e Santana Lopes acham que devemos ser mais produtivos. Certamente entenderão que temos as condições para que isso nos seja exigido.

j.marioteixeira@sapo.pt