Guerra – uma história do Zé
A propósito do mundo de hoje, da guerra, do terrorismo, do 11 de Setembro de 1973 [sim, o do Chile], o Zé conta esta história.
Tinha ele oito anos quando na escola em que estudava chegou um colega que se chamava Guerra. Era bem mais crescido de corpo do que qualquer um dos demais colegas. Mas por razões que a ignorância de então jamais apurou, era um miúdo mentalmente frágil, atrofiado pelo medo, inseguro e submisso. Naquelas idades as crianças revelam uma particular maldade. Razão pela qual o Guerra logo se transformou no "bombo da festa" da rapaziada da turma.
Todos mandavam nele.
Todos lhe batiam.
Todos.
Incluindo o Zé.
Arrastado por aquela corrente de maldade e crueza, era um gáudio exibir autoridade e domínio sobre aquele gigante submisso.
Um dia, o Guerra encontrou o Zé sozinho no recreio e pediu-lhe um lápis porque lhe haviam roubado o dele. Abordou-o medrosamente e disse-lhe:
- Emprestas-me um lápis? Mas não me batas.
O Zé ficou a olhar para aquele gigante de contradições. Tinha o nome Guerra, era mais crescido do que ele e pedia-lhe que não lhe batesse. Naquele momento as lágrimas vieram-lhe aos olhos. Como sempre lhe vêm quando relembra esta história. Como lhe vieram quando me contou. Lágrimas de arrependimento, de remorsos por todo o mal que sofreu aquele frágil gigante e em que ele foi cúmplice. Quando lhe deu o lápis sentiu que esse seu acto tinha sido o único gesto humano que tivera para com ele, ao fim de meses de escola.
O Guerra afastou-se numa humildade servil que o expunha a toda a violência. E o Zé não foi capaz de o acompanhar de regresso à sala de aulas onde o Guerra se refugiava durante os intervalos, pois sentiu que preferia estar sozinho do que acompanhado por uma ameaça. Naquele dia sentiu-se o pior e o mais cobarde de todos os miúdos. Ganhou consciência de todo o mal que lhe havia feito, da crueldade de que era capaz. Naquele dia o Guerra atormentou-o por todos os males que lhe havia feito.
No dia seguinte, o Zé estava decidido a falar com ele, a pedir-lhe desculpa, muito embora o castigo estivesse sempre dentro de si.
Tarde demais.
Os pais do Guerra mudaram-no da escola para uma outra onde teria melhor acompanhamento. Ninguém na turma percebeu ao certo o que era isso. Dizia-se que tinha ido para uma escola de malucos. Mas o Zé sabia que malucos eram todos os que violentamos a sua inocência e a sua fragilidade.
Nunca mais o Zé viu o Guerra ou teve notícias. O rosto do Guerra, as suas expressões, ainda hoje as revê com a mesma nitidez da dos tempos de escola. Não sabe se está vivo, se superou as suas fragilidades, se fez amigos ou se continua a ser um gigante submisso. Sabe que consciente ou inconscientemente o seu rosto se espelha na sua memória sempre que vê uma qualquer crueldade, humilhação ou injustiça. O Guerra é para o Zé a definição de crueldade, humilhação e injustiça. Foi o Guerra que fez o Zé desejar um mundo sem aqueles cancros. Um mundo verdadeiramente humano. Um mundo que o Guerra não teve.
Todos mandavam nele.
Todos lhe batiam.
Todos.
Incluindo o Zé.
Arrastado por aquela corrente de maldade e crueza, era um gáudio exibir autoridade e domínio sobre aquele gigante submisso.
Um dia, o Guerra encontrou o Zé sozinho no recreio e pediu-lhe um lápis porque lhe haviam roubado o dele. Abordou-o medrosamente e disse-lhe:
- Emprestas-me um lápis? Mas não me batas.
O Zé ficou a olhar para aquele gigante de contradições. Tinha o nome Guerra, era mais crescido do que ele e pedia-lhe que não lhe batesse. Naquele momento as lágrimas vieram-lhe aos olhos. Como sempre lhe vêm quando relembra esta história. Como lhe vieram quando me contou. Lágrimas de arrependimento, de remorsos por todo o mal que sofreu aquele frágil gigante e em que ele foi cúmplice. Quando lhe deu o lápis sentiu que esse seu acto tinha sido o único gesto humano que tivera para com ele, ao fim de meses de escola.
O Guerra afastou-se numa humildade servil que o expunha a toda a violência. E o Zé não foi capaz de o acompanhar de regresso à sala de aulas onde o Guerra se refugiava durante os intervalos, pois sentiu que preferia estar sozinho do que acompanhado por uma ameaça. Naquele dia sentiu-se o pior e o mais cobarde de todos os miúdos. Ganhou consciência de todo o mal que lhe havia feito, da crueldade de que era capaz. Naquele dia o Guerra atormentou-o por todos os males que lhe havia feito.
No dia seguinte, o Zé estava decidido a falar com ele, a pedir-lhe desculpa, muito embora o castigo estivesse sempre dentro de si.
Tarde demais.
Os pais do Guerra mudaram-no da escola para uma outra onde teria melhor acompanhamento. Ninguém na turma percebeu ao certo o que era isso. Dizia-se que tinha ido para uma escola de malucos. Mas o Zé sabia que malucos eram todos os que violentamos a sua inocência e a sua fragilidade.
Nunca mais o Zé viu o Guerra ou teve notícias. O rosto do Guerra, as suas expressões, ainda hoje as revê com a mesma nitidez da dos tempos de escola. Não sabe se está vivo, se superou as suas fragilidades, se fez amigos ou se continua a ser um gigante submisso. Sabe que consciente ou inconscientemente o seu rosto se espelha na sua memória sempre que vê uma qualquer crueldade, humilhação ou injustiça. O Guerra é para o Zé a definição de crueldade, humilhação e injustiça. Foi o Guerra que fez o Zé desejar um mundo sem aqueles cancros. Um mundo verdadeiramente humano. Um mundo que o Guerra não teve.
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