Neos logos [02.0904]
O caso “Barco do Aborto”, revela algo que pouca gente terá tido a preocupação de analisar: as instituições políticas, partidárias e associativas sofrem de patente inoperância. Aos poucos, as mudanças e as reformas começam a resultar cada vez mais da mediatização e menos do debate ou da vontade popular. Opta-se e segue-se determinado rumo pelo escândalo que surge, pela notícia que aparece.
Estamos perante um perigoso transformismo dos pressupostos de uma sociedade assente na democracia: não se reforça a comunicação entre as instituições e o povo, antes transferindo-se o impulso das decisões para os escândalos e para a ameaça. É este o novo tratado entre o Estado e a sociedade.
Não é um caso exclusivamente português, mas de todas as sociedades ditas ocidentais e democráticas. Arrasta consigo o extremismo, por força do impacto das imagens e desvaloriza os pressupostos humanos e sociais que deveriam ocasionar a mudança.
Neste momento, o aborto voltou, novamente, à ordem do dia porque um barco holandês foi impedido de entrar em águas portuguesas. Por esta razão, o governo português começa já a dar mostras de uma certa abertura a discutir a matéria. Porquê? Por causa do escândalo, nada mais. Não é por causa dos abortos clandestinos. Não é por causa de uma lei que criminaliza mas que os próprios tribunais se arrepiam de a aplicar. Não é por causa do inumano estigma que uma mulher sofre quando aborta, e se sujeita ainda a ter de passar toda uma fase de inquérito em sede de processo-crime, para ao fim ser ainda levada a julgamento. Não é porque em Portugal não há um sério planeamento da educação sexual nas escolas.
Nada disto motivou o poder político a abrir a possibilidade de mudança. Foi o escândalo e nada mais. Hoje o escândalo marca a agenda política: seja para a despenalização do aborto, seja para a reforma da justiça, seja para as políticas de prevenção e combate aos incêndios. Seja para o que for, se não houver escândalo não há reacção. E porque cada vez mais as instituições políticas, naquilo que é essencial à estabilidade e coesão da sociedade portuguesa, não agem mas sim reagem, temos todas as condições reunidas para que naveguemos ao sabor dos ventos da ocasião.
j.marioteixeira@sapo.pt
Estamos perante um perigoso transformismo dos pressupostos de uma sociedade assente na democracia: não se reforça a comunicação entre as instituições e o povo, antes transferindo-se o impulso das decisões para os escândalos e para a ameaça. É este o novo tratado entre o Estado e a sociedade.
Não é um caso exclusivamente português, mas de todas as sociedades ditas ocidentais e democráticas. Arrasta consigo o extremismo, por força do impacto das imagens e desvaloriza os pressupostos humanos e sociais que deveriam ocasionar a mudança.
Neste momento, o aborto voltou, novamente, à ordem do dia porque um barco holandês foi impedido de entrar em águas portuguesas. Por esta razão, o governo português começa já a dar mostras de uma certa abertura a discutir a matéria. Porquê? Por causa do escândalo, nada mais. Não é por causa dos abortos clandestinos. Não é por causa de uma lei que criminaliza mas que os próprios tribunais se arrepiam de a aplicar. Não é por causa do inumano estigma que uma mulher sofre quando aborta, e se sujeita ainda a ter de passar toda uma fase de inquérito em sede de processo-crime, para ao fim ser ainda levada a julgamento. Não é porque em Portugal não há um sério planeamento da educação sexual nas escolas.
Nada disto motivou o poder político a abrir a possibilidade de mudança. Foi o escândalo e nada mais. Hoje o escândalo marca a agenda política: seja para a despenalização do aborto, seja para a reforma da justiça, seja para as políticas de prevenção e combate aos incêndios. Seja para o que for, se não houver escândalo não há reacção. E porque cada vez mais as instituições políticas, naquilo que é essencial à estabilidade e coesão da sociedade portuguesa, não agem mas sim reagem, temos todas as condições reunidas para que naveguemos ao sabor dos ventos da ocasião.
j.marioteixeira@sapo.pt
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