segunda-feira, 20 de setembro de 2004

Não há quem

Ao mesmo tempo que se fala em racionalidade de gastos e se apela à contenção, assiste-se a mais dois momentos reflexos da falta de rumo deste e doutros governos:
1 – Defesa do aumento das taxas moderadoras para combater as injustiças criadas pelo actual sistema fiscal, quando não se reforma o sistema fiscal de uma vez por todas nem se vislumbra qual a eficácia ou mais-valia da “reforma” da saúde, designadamente na criação dos Hospitais S.A. [que provocaram já um aumento substancial da despesa do Ministério da Saúde].
2 – Perpetuação de estatutos e regimes de privilégio consagrados em diversos organismos públicos e semi-públicos [dos quais o recente caso de Mira Amaral e respectiva reforma é o exemplo mais recente], quer ao nível remuneratório quer ao nível de outras regalias ou proventos [indemnizações avultadas que impedem a demissão, acordos de reforma, etc.], quando ao mesmo tempo que se propala o rigor da despesa e a austeridade.
Não há quem assuma a reforma fiscal, a revisão do estatuto remuneratório dos cargos políticos e dos cargos públicos e a reestruturação orgânica e funcional da Função Pública. É um facto que não há. O que falta saber em concreto, é se não há por não haver quem saiba como fazê-lo ou se por alguém o impedir. Enquanto não se responder a esta dúvida, tudo tomará um rumo de circunstância ou de conjuntura, nada será planeado ou estruturado, mas tão só reactivo e momentâneo.
O mais grave, é que os governos sucedem-se e a ilusão permanece: todos parecem estar a construir uma linha de rumo, a definir um caminho, mas eis que, aqui e ali, o aparelho partidário não permite, os grémios reagem e bloqueiam e compromissos de campanhas eleitorais emergem. Por trás, um pano que encerra em silêncio o que se passa nos bastidores, um ponto no palco que vai ditando a frase certa, e um elenco que se solidariza nos papéis que assume.
Existe um qualquer pacto de regime, cujas regras e equilíbrios não parecem depender de quem se elege. Não significa isso que não importe a ideologia, a pessoa ou o seu pensamento. Importa. Mas pouco, cada vez menos.
Pelas palavras, pelas decisões e pelos sentidos que vão dando ou ganhando, transparece uma falta de liberdade, uma falta de espaço, para decidir, para concretizar, para cumprir, que será algo mais do que falta de vontade.
Poderá, também, ser apenas incapacidade, incompetência. Poderá. Até seria menos grave.

j.marioteixeira@sapo.pt