domingo, 5 de setembro de 2004

O aborto do aborto [I] [30.08.04]

Um esclarecimento prévio, para que o que aqui ficar escrito, seja lido sem falaciosas ambiguidades: sou a favor da despenalização do aborto, o que não se confunde, com liberalização do aborto, como tantas vezes tentam confundir os seus opositores.
O pior que se pode fazer a uma causa é transformá-la num caso. A partir daqui tudo está errado e nada serve ao país.
A actual lei penal que consagra o aborto como prática criminosa, sujeitando a mulher que o pratica a sanção penal, será desumana, retrógrada e, por consequência, absurda. Eu concordo. Mas é lei. E não é uma lei qualquer: foi “sufragada” por referendo cujos resultados são por demais conhecidos: o número de eleitores que acorreram às urnas (cerca de 31% de votantes) não atingiu sequer o mínimo (mais de 50%) para o tornar vinculativo. Além de que o “Não” á despenalização do aborto ganhou, ainda que tangencialmente. A Esquerda reivindicativa da sua mudança em tempos de governação PS (Junho de 1998), os movimentos criados de apoio à mudança, as mulheres em geral, a quem tanto diz respeito a mudança, falharam. Não se trata de falharem por não terem ganho, mas sim porque não fizeram questão de marcar presença. Principalmente as mulheres. Quem não falhou foi o absentismo cívico e a cultura do pecado e do castigo. E isto é um facto incontornável para quem queira abordar a questão com o mínimo de honestidade.

j.marioteixeira@sapo.pt