domingo, 5 de setembro de 2004

O aborto do aborto [III] [01.09.04]

Na última da hora, resolvi assistir ao debate promovido pela RTP acerca do aborto. Ao fim, senti que se tinha saldado por um empate técnico entre a mensagem e o ruído. Infelizmente.
Apreciei a mensagem da objectividade do médico Carlos Santos Jorge, a mensagem de clareza da professora Manuela Tavares e a lucidez humana da advogada Paula Teixeira da Cruz. Em termos de composição dos participantes do debate representavam 50% e foram os únicos que teimaram em debater o que realmente interessava, de modo sereno e construtivo.
A contrapor a mensagem, esteve o ruído causado pelo sociólogo Pedro Vasconcelos que se perdeu em confrontações estéreis e em excessiva troca de acusações. Poderia ter estado melhor, ultrapassar os ímpetos, mas não o fez. Acabou por reforçar a polémica quando o assunto é polémico por génese, pelo que não carece de reforços. O pior é que acrescentou ainda mais ruído àquele que estava a ser feito também por Alexandra Almeida das “Mulheres em Movimento”, cuja intervenção redundou em constante falácia argumentativa. Alexandra Almeida deixou mesmo transparecer que a actual lei penal deveria ainda ser mais restritiva, uma vez que fazia da defesa à vida a razão de ser de qualquer impossibilidade de aborto.
Para completar o trio do ruído, tivemos Zita Seabra, em total aridez de espírito e, para mim, cada vez mais irreconhecível. A sua voraz atitude contra tudo que é referência de Esquerda é de uma manifesta patologia e absolutamente irrelevante para a clarificação dos assuntos. Que se critique a Esquerda, tudo bem, eu próprio a critico em consciência com a minha própria formação de Esquerda. Agora, continuar a usar o exemplo do monstro URSS [que outrora defendeu] já é demais. Zita Seabra não perde uma oportunidade, ou pior: inventa-as, para apedrejar a URSS. Desde o seu ingresso na social-democracia, assumiu uma degradante postura delatora, em que ainda teima. Por favor, alguém do seu círculo de amigos a informe que a URSS já não existe, caiu!
Um assunto como o aborto, ou melhor a sua despenalização carece de debate lúcido e sem preconceitos, de mentes que pensam e reflectem. Deve ser feita de mensagem e não de ruído. O assunto é demasiado sério para se tornar exclusivo de forças políticas ou de sensibilidades religiosas.

j.marioteixeira@sapo.pt