quinta-feira, 14 de outubro de 2004

“Bush v Kerry”: a discutível estupidez [actualizado]

As eleições norte-americanas, desde há muito, que dizem respeito não só aos EUA como a todo o mundo. Ainda mais agora que os EUA são os “polícias do mundo”, reinando sem rival após o colapso soviético e com a adopção da "guerra preventiva".
Desde o início da campanha eleitoral até ao presente momento, que se assistiu a uma interessante rotação no sentido da informação em geral, tendo a guerra do Iraque como pano de fundo: a diabolização já não se Saddam Hussein mas de George Bush.
O actual presidente norte-americano não me convence, como nunca me convenceu. Acho mesmo que se comporta como uma marioneta de interesses difusos aos do próprio povo norte-americano. Mas eu não sou norte-americano, e certamente ele terá convencido eleitores suficientes a votar nele e, possivelmente, terá outros tantos dispostos a votarem novamente. Nada me espantaria que Bush venha a ganhar as eleições novamente, não apenas por Bush mas também por Kerry. O candidato democrata além de não ser abonado em termos de fisionomia [o que em princípio não deveria ter qualquer valor mas tem, e sabe-se que tem], demorou algum tempo, tempo demais, a definir concretamente a sua postura em relação à guerra do Iraque e do papel dos EUA quer nos processos do Médio-Oriente quer em relação à própria América Latina. Aliás, o continente sul-americano tem vindo a ser tratado à margem da actual campanha eleitoral [por força da actual conjuntura de guerra e de crise petrolífera], muito embora seja, no seu conjunto e pela proximidade a área do globo em que o intervencionismo norte-americano ou a sua falta mais se faz sentir.
A importância dos debates televisivos nas eleições norte-americanas tem o seu peso, é indubitável. Não se poderá é fazer tábua rasa, afirmando-se, como genericamente tem vindo a ser feito, que a vitória nos debates é a garantia da vitória nas eleições. Relembre-se as últimas eleições: Gore este muito acima de Bush durante os debates televisivos e no entanto foi Bush que ganhou a Casa Branca. E o mesmo acontecera já antes em outras eleições.
Acresce que a campanha eleitoral não termina nos debates televisivos. Estes, sim, é que terminaram. O resto da campanha segue para as ruas, para os palanques e comícios, rumo ao ainda longínquo dia 2 de Novembro. Ao mesmo tempo que a máquina de cada candidatura negoceia apoios de sindicatos, associações cívicas e tudo o mais que seja massa eleitoral, além de "informações" acerca do adversário.

Daí que seja discutível a “estupidez” a que se refere Vital Moreira no Causa Nossa, quando sustentada apenas em relação aos debates. Em 1980, Ronald Reagen ganhou claramente o debate frente a Jimy Carter a uma semana do fim da campanha. Todavia, em termos programáticos quer de política interna quer de política externa, o candidato norte-americano apresentava-se com muito maior sustento. A julgar em termos de debate, o povo norte-americano teria, então, escolhido bem em eleger Ronald Reagen.

Por fim, uma citação:
“For all the macho posturing of the past weeks, then, the night ended with the two men trying to show America their vulnerable, funny side. They were strong men, they told us, but they were sensitive too, and they each wanted America to be their woman. In less than three weeks — by the grace of the much-invoked God and the state ballot systems — our long national courtship will finally be over.”

[in Time]

Adenda: ler também o artigo de José Pacheco Pereira "Ele há momentos" no Abrupto, embora com alguns outros sentidos.

Segunda Adenda: no 7º parágrafo, onde se lê "candidato norte-americano" leia-se "candidato democrata".

j.marioteixeira@sapo.pt