sexta-feira, 22 de outubro de 2004

A propósito de Fidel Castro

"Espero que ele morra quanto antes. Não digo que o matem, mas que morra, porque essa é a única via possível para a democratização de Cuba. A solução mais desejável seria o derrube do regime, mas isso não me parece muito provável. Não desejo a morte a ninguém, mas o desaparecimento de Castro seria a melhor solução»

«Castro», acrescentou ainda, «é um ditador sinistro, que carrega às costas muitos mortos e muitos torturados, e que submeteu o país a uma situação impossível»"
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[in DN]

A afirmação de Loyola de Palácio, é um bom exemplo de hipocrisia política: se espera que Fidel morra porque é a única solução para democratizar Cuba, então porque não deseja que ele morra?
Como é singularmente cobarde e cínica a distinção que faz nas suas declarações entre “morte” e “desaparecimento”.
É evidente que é muito mais politicamente correcto falar de “desaparecimento”, como se de uma fantasia se tratasse de alguém que pura e simplesmente deixa de existir, volatiliza-se, “desaparece”.
Já agora, seria muito melhor para aqueles que falam de Fidel Castro e de Cuba que, pelo menos, lá fossem, falassem com o povo cubano e percebessem um pouco mais da realidade cubana. A ditadura existe, é um facto, está mal e tem de acabar. O povo cubano deseja mais liberdade: de expressão, de associação, de iniciativa. Mas o povo cubano não se deixa iludir: sem a revolução jamais teria acesso à educação e à saúde como nos dias de hoje, que não vai mais além por patente falta de meios financeiros resultantes de um já longo isolamento internacional. Isolamento esse que se traduz em restrições no âmbito das relações comerciais. Mesmo assim, Cuba tem relações comerciais, por exemplo, com Espanha [a mesma Espanha de Loyola de Palácio]. Mesmo assim há europeus [incluindo portugueses] que vão tratar-se a Cuba. Mesmo assim, Cuba tem a maior taxa de sucesso no combate à propagação da SIDA, em todo o mundo [o mesmo não se podendo dizer de Portugal].
O que o povo cubano deseja é que a conquista de mais liberdade não tenha como preço a perda das conquistas sociais, educacionais, culturais e científicas da revolução cubana. Não querem tornar-se mais uma estrela pintada a tinta invisível na bandeira dos EUA. E é nessa conquista da liberdade conciliada com a manutenção do que já conquistaram que cumpre ajudar Cuba a conseguir atingir. Aqui está o papel da comunidade internacional num cenário de mudança de Cuba.
Em tudo isto, Fidel Castro é o menos importante de tudo. Um dia que morra, ou “desapareça” como preferirá Loyola de Palácio, vejamos o que fará então a União Europeia, se puder ou quiser fazer alguma coisa.

j.marioteixeira@sapo.pt