terça-feira, 30 de novembro de 2004

Bem-haja quem sonha

Neste seu artigo ”Masoquismo”, no Causa Nossa, bem como no seu artigo do Público, Vital Moreira analisa o resultado final do Congresso do PCP quanto ao redundante fracasso dos que defendem a “renovação” e/ou “abertura” do Partido. Concordo inteiramente que se tratou de uma derrota em toda a linha das mais diversas aspirações de renovação.
Todavia, estranho que Vital Moreira considere “masoquismo” a atitude daqueles que persistem em tentar mudar o Partido de que são militantes. Conheço alguns que o querem e não são masoquistas, mas antes acreditam no que fazem, acreditam na militância e acreditam na transformação. Aliás, ser comunista é, também, acreditar na capacidade de transformar. É essa a crença daqueles que persistem na sua luta de transformar o PCP.
Acreditar que é possível derrubar uma ditadura é, quase sempre, acreditar durante muito tempo numa miragem. Ainda bem que há “masoquistas” que persistem em querer mudar as coisas, apesar das prisões, dos degredos, das perseguições. De, apesar de tudo, acreditarem. Porque só assim se derrubam Ditaduras e Muros.
Com um património assim, de que muitos militantes comunistas são ainda portadores pessoais, parece-me natural que haja ainda quem sonhe com a mudança, que esteja disposto a lutar por ela. É tão legítimo querer lutar pela mudança, malgrado a realidade e as reacções, quanto é legítimo abandonar por não se identificar mais com o Partido [seja em termos organizacionais, de aparelho, doutrinários ou programáticos]. Por isso, não concordo que se rotule uma ou outra decisão com o que quer que seja.
Não tenho um conhecimento profundo acerca da máquina comunista. Conheço alguma coisa, conheço algumas pessoas, tenho alguma experiência do que vi, assisti e li, e, também, do que me contaram e contam. Mas sei que há militantes que anseiam pela mudança. Por uma mudança que transforme o PCP por si mesmo e não para o aproximar de quem quer que seja. É esta a visão de muitos deles, eles lá sabem porquê.
Confesso que gosto de gente que sonha, que acredita que é possível transformar. Porque os grandes avanços da humanidade foram possíveis por haver gente assim. Admiro a sua capacidade de luta e de sacrifício. Se o conseguem ou não, isso são questões que muitas vezes é o tempo a dar a resposta, e não o homem.
Será a minha visão excessivamente romântica? Acredito que sim. Mas ainda hoje gosto de ouvir Manuel Freire cantar a “Pedra Filosofal”, o poema de António Gedeão [Rómulo de Carvalho]. Um dia, é possível que também me transforme. Um dia, é possível que se acabe com a utopia. Veremos.

j.marioteixeira@sapo.pt