quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Conquistar e perder [II]

Não podemos já passar sem os fenómenos que nos rodeiam. E é o mais natural que isso aconteça. Somos moldados pelo mundo exterior, tal e qual ele se nos apresenta. Se fossemos criados na Idade das Trevas certamente não teríamos qualquer necessidade de buscar a comunicação com os outros. Todos os fenómenos que nos rodeiam aproximaram-nos. Ouvimos canções de quem morreu antes nós sequer nascermos, falamos para quem quer que seja onde quer que esteja, trocamos correspondência em tempo real, vemos as imagens do que se passa do outro lado mundo, etc. Ou seja: comunicamos. Mas ainda não nos entendemos.
Fiquemos para já com a ideia dos fenómenos que nos rodeiam e do seu contributo. Também aqui, tal como quando falamos acerca da morte e do medo de perder alguém que nos é especial, só damos verdadeiro valor a estes fenómenos quando eles nos falham. Alguém dá valor à luz até que ela falhe? Dantes os nossos antepassados tinham por hábito dar graças pelas maravilhas do mundo. Hoje damos graças quando a EDP restabelece a ligação ou o técnico resolve a causa da avaria do computador. Por outro lado, há medida que a humanidade avança no conhecimento deixa para trás a base originária do seu saber. É o que acontece a tantas técnicas artesanais. Tudo como se fosse alguém que após iniciar um percurso, ao fim de uma dada extensão olha para trás e já não vê o ponto de partida e nem se recorda com pormenor qual é. Um percurso com milhões de anos de história. Conquista-se e perde-se. É este o percurso natural da evolução. Não só da humanidade como de todos nós. A evolução leva à conquista mas também à perda. O guerreiro que anos depois de ter partido regressa a casa, percebe que a sua casa mudou e que ele também mudou. Já não é o mesmo porque ninguém o é. Ele percebe isso realmente quando regressa e não quando crava o seu último estandarte de conquista numa qualquer terra longínqua.

j.marioteixeira@sapo.pt