quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Fazer tábua rasa

É afirmado no causa nossa o seguinte:

Juntamente com as eleições presidenciais (e outras), disputaram-se também vários referendos estaduais, designadamente sobre a proibição de casamentos homossexuais e mesmo de uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo. Foi uma das estratégias dos republicanos para atrair os eleitores à votação em Bush, aproveitando a onda conservadora-religiosa que varre a América. Além de
vencer esses referendos, a estratégia de atracção eleitoral resultou em cheio. Calcula-se que desta vez Bush conseguiu mobilizar plenamente voto da "direita evangélica". A introdução de temas radicais num ambiente conservador ajuda a mobilizar e reforçar a reacção conservadora”.

Ao ler fica-se com a ideia de que quem votou a favor da proibição de casamentos homossexuais será da “onda conservadora-religiosa”, da “direita evangélica”.
Não compreendo como se pode fazer tábua rasa das convicções: segundo aquela perspectiva, uma vez que eu sou contra o matrimónio entre homossexuais, isso faz de mim um adepto do “conservadorismo-religioso” ou da “direita evangélica”, coisa que desde já repudio. A melhor maneira de empobrecer o conteúdo das convicções é rotulá-las, de modo que uma só expressão nos permita e legitime a preguiça de ler e de avaliar.
Embora seja verdade que referendos desta natureza façam reagir grupos conservadores, religiosos, de “direita”, etc., e nisso estou de acordo, também não é menos verdade que é redutor entender que só “estes” é que terão votado pela proibição. Se eu fosse norte-americano também votaria a favor da proibição por diversas razões, até de ordem social e civilizacional, e no entanto não sou adepto nem da “direita” [evangélica ou não] nem da “onda conservadora-religiosa” e muito menos de George “War” Bush. Votaria na mesma em Kerry e teria na mesma a convicção que a Kerry faltava carisma e um solução clara para o conflito no Iraque, tal como escrevi aqui.

j.marioteixeira@sapo.pt