sexta-feira, 12 de novembro de 2004

O Programa de Marinho e Pinto: reflexões [I]

Tal como se deu conta, Marinho e Pinto apresentou o seu Programa de Candidatura a Bastonário da Ordem dos Advogados.
Antes de mais, e para que dúvidas não hajam e distorções não se façam acerca do que aqui se escreverá partindo daquele Programa, declaro que apoio a sua candidatura a Bastonário da Ordem dos Advogados.
Globalmente revela ser um bom Programa, embora peque, como já esperava [uma vez que aí não ultrapassa a tendência generalizada das candidaturas], por uma lacuna que persiste ainda em boa parte na lógica da Ordem que decorre, em larga medida, do seu próprio sustento estatutário: a falta de reivindicação de interesses próprios da classe dos Advogados.
Os Advogados têm interesses próprios como qualquer outra classe: dignidade e prestígio, que também passam pela realização económica como qualquer outro profissional. Não encarar de frente esta realidade é ignorar uma evidência da vida social. Mas o certo é que nenhuma candidatura, até hoje, encarou de frente essa realidade, prevalecendo o discurso institucional.
Aliás, no próprio Programa de Marinho e Pinto, no seu parágrafo oitavo, é afirmado claramente o seguinte:
A Ordem dos Advogados não é um sindicato e, por isso, não defende os interesses egoístas de uma classe profissional. A Ordem dos advogados é, sim, uma entidade pública estruturante do Estado de Direito, cuja primeira finalidade estatutária é, precisamente a defesa do Estado de Direito e dos Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos”.
Tem Marinho e Pinto toda razão.
O pior é que ao fazer tal afirmação, e atendendo que a Ordem dos Advogados existe porque há profissionais da Advocacia, assume que os Advogados têm interesses egoístas [o que aliás é óbvio] e que para os defender então só com um sindicato, o que não existe.
Uma vez que coloca a Ordem dos Advogados no seu estatuto próprio, Marinho e Pinto acaba por fundamentar a opinião daqueles que, como eu, reivindicam uma estrutura que defenda os interesses egoísta da classe como qualquer outra: magistrados, médicos, funcionários públicos, polícias, pedreiros, metalúrgicos, etc.
O problema na criação dessa estrutura é a sua operacionalidade quer em relação à Ordem dos Advogados quer em relação à definição da Advocacia como uma actividade eminentemente liberal. Aliás a única actividade verdadeiramente liberal em Portugal. Daí ser a única profissão [legal] desprovida de estrutura sindical.
Ora sendo uma actividade eminentemente liberal, a que propósito se manifesta qualquer necessidade de reivindicação de classe?
Manifesta-se, efectivamente manifesta-se. Em boa parte por demissão completa por banda da Ordem dos Advogados durante o triénio 2003-2004, em que foi, e ainda é, Bastonário José Miguel Júdice, da sua obrigação genética e estatutária em pugnar pela dignidade e prestígio da Advocacia. Ao invés, os esforços e energias da Ordem, na pessoa do seu Bastonário, foram orientados para a polémica estéril e inconsequente, fazendo do Fórum Justiça a grande prioridade na criação de um espaço de debate que se saldou em coisa nenhuma, bem como na prossecução de um esforço de empresarialização da advocacia.
Não basta ter consciência que a Ordem dos Advogados não pode agir como um sindicato, pois é necessário dar resposta aos interesses próprias da classe e a solução mais consentânea com a génese da própria Advocacia é que a defesa daqueles interesses seja tomada por um estrutura que resulte da própria Ordem dos Advogados, para que não haja colisão precisamente com os “Direitos, Liberdades e Garantias dos Cidadãos”. Mas sendo certo que o Advogado, também ele, é cidadão!

j.marioteixeira@sapo.pt