sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Os placebos normativos

Alguns preceitos legais existem por existir, uma vez que na prática não produzem qualquer efeito útil, muito menos o efeito pretendido pelo legislador. São ditames legais, são artigos da Lei e nada mais.
Um exemplo é o artigo 152º nº 5 do Código de Processo Civil, cuja epígrafe é “Exigência de duplicados” e que reza assim:
Além dos duplicados a entregar à parte contrária, deve a parte oferecer mais um exemplar de cada articulado para ser arquivado e servir de base à reforma do processo em caso de descaminho.
Se a parte não juntar o duplicado, mandar-se-á extrair cópia do articulado, pagando o responsável o triplo das despesas a que a cópia der lugar, a qual é para o efeito contada como se de certidão se tratasse
”.
Ora, acontece que quando se entrega os articulados [as peças processuais e seus anexos: petição, contestação, requerimentos, etc.] numa secretaria judicial, o duplicado atinente a fazer cópia de segurança é incorporado nos próprios autos, ou seja se o processo desaparecer leva com ele os duplicados que deveriam constituir a tal cópia de segurança.
Diariamente é cumprida esta obrigação pelas partes [através dos seus mandatários] em todos os tribunais do país e de nada serve. Quem cumpre tal ditame, cumpre uma mera obrigação e, assim, gasta-se por ano mais umas quantas resmas de papel [esse material em relação ao qual há uma enorme dependência da sociedade portuguesa, a bem da indústria de celulose] sem qualquer efeito útil. Mas cumpre, porque senão está sujeito a uma autêntica multa: “pagando o responsável o triplo das despesas a que a cópia der lugar”.
Não é o próprio normativo que está errado, é o seu desrespeito por banda da organização dos tribunais [a maior parte das vezes por impossibilidade físca das instalações] que o torna um autêntico placebo normativo. Se um processo desaparece [o que volta meia volta acontece], as partes são “convidadas a entregar ao tribunal as cópias dos articulados que possuem. Digo “convidadas” porque não lhes resta alternativa!
E assim a coisa vai, todos os dias…

j.marioteixeira@sapo.pt