terça-feira, 14 de dezembro de 2004

A Oriente tudo de novo [I]

A partir de Janeiro de 2005, os têxteis oriundos de países pertencentes à Organização Mundial do Comércio, deixarão de ter quaisquer barreiras aduaneiras. Vai cair por terra a última defesa que os artigos têxteis possuíam face aos produzidos, por exemplo, nos mercados chinês e indiano. Caso as exportações do Oriente para a Europa cresçam de modo súbito, haverá uma cláusula de salvaguarda que Bruxelas poderá accionar em situação de emergência na defesa da indústria têxtil europeia. Todavia, essa cláusula tem carácter geral, pelo que o seu accionamento depende de uma possível crise generalizada e não localizada num só país. Ora, atendendo às diferenças existentes entre as diversas indústria têxteis europeias, torna desde logo o accionamento da cláusula de salvaguarda algo problemático e moroso.
Esta abertura ao Oriente representa uma profunda distorção das regras da concorrência. Tanto mais que esta abertura se dá num quadro de aparente tentativa de auto-regulação do mercado, ou seja com a abertura a Oriente será o mercado, pela regra da oferta e da procura, a estabelecer os equilíbrios. O que é falso.
É falso, porque a regulação do mercado não pode partir de uma concorrência desleal. Na verdade, a concorrência entre os artigos têxteis produzidos na Europa e os produzidos no Oriente sofrem uma clara e mais do que denunciada distorção: os artigos asiáticos, na sua esmagadora maioria, não suportam custos sociais. Ao contrário do que se passa na Europa, na Ásia as obrigações sociais das entidades patronais são exíguas quando não inexistentes, ao contrário da Europa que ainda vai primando pela consagração de direitos e protecções sociais e cujas legislações laborais continuam a curar de direitos conquistados pelas classes trabalhadoras.
Por outro lado, a ideia autista de que Portugal deverá apostar na qualidade pois só assim poderá fazer face à “invasão” de artigos asiáticos que ostentam uma qualidade inferior uma vez que o objectivo é a produção massiva, é uma ideia inverosímil. A qualidade, quando muito, será procurada por uma minoria que a pode pagar, enquanto que aqueles que vivem de salários mínimos ou até de rendimentos superiores mas que são absorvidos pela generalidade dos compromissos assumidos [banca, ensino dos filhos, etc.] necessariamente abrirão mão da qualidade a favor da quantidade.
Face a tal quadro, é de perguntar se alguém está à espera que a indústria têxtil portuguesa poderá sobreviver com base nas compras de uma minoria disposta a pagar qualidade? Ou será que iremos, uma vez mais, subsidiar a indústria têxtil para conter o desemprego e evitar o agudizar da crise social? Até quando?

j.marioteixeira@sapo.pt