quinta-feira, 31 de março de 2005

Pelo "Não" à Constituição Europeia [a génese das coisas]

Ao contrário da ideia que se tem formado na opinião pública, ser defensor do "Não" à ratificação do Tratado Constitucional Europeu [doravante T.C.E.] não se resume a ser contra a Europa ou contra o Projecto Europeu, nem os seus argumentos se reportam a medos fantasmagóricos, papões, nem se cobrem de camuflagens.
A questão é muito simples: está em causa entender se este é, ou não, o processo de se construir uma Europa unida, coesa, operante, de modo democrático e participado, com respeito pelos valores culturais de cada Estado-membro, dos seus usos e costumes.
Neste primeiro capítulo de defesa do “Não” à ratificação, começo exactamente pelo modo como surgiu o T.C.E.:
- Em 15 de Dezembro de 2001, o Conselho Europeu emite a
Declaração de Laeken, convocando a Convenção sobre o futuro da Europa, cuja presidência foi entregue a Valéry Giscard d`Estaing, e que visava preparar do modo mais abrangente e objectivo possíveis os trabalhos da Conferência Intergovernamental de Outubro de 2003.
- O mandato dado àquela Convenção encontra-se plasmado na predita Declaração de Laeken, e, na sua essência, era este:
"Para assegurar uma preparação tão ampla e transparente quanto possível da próxima Conferência Intergovernamental, o Conselho Europeu decidiu convocar uma Convenção composta pelos principais participantes no debate sobre o futuro da União. Em conformidade com o acima exposto, esta Convenção terá por missão debater os problemas essenciais colocados pelo futuro desenvolvimento da União e analisar as diferentes soluções possíveis".
- Nunca, em momento algum, foi aquela Convenção mandata para elaborar um Tratado, muito menos uma Constituição Europeia. Isto sem embargo daquela própria Declaração questionar-se:
"Por último, coloca-se a questão de saber se esta simplificação e reestruturação não poderão conduzir, a prazo, à aprovação na União de um texto constitucional. Quais deverão ser os elementos de base dessa Constituição? Os valores defendidos pela União, os direitos fundamentais e as obrigações dos cidadãos, as relações dos Estados-Membros na União?"
- Acontece que a Convenção achou por bem ir mais longe, transformar a dúvida daquela Declaração em certeza, e decidiu redigir um projecto de Tratado com vista a uma Constituição Europeia. Por achar que esta seria a melhor solução para dar resposta aos problemas com que se debatia a União Europeia [a “Encruzilhada”] e que tinham levado à própria Declaração de Laeken.
Posto isto, está fácil de ver o quanto vale o argumento da falta de legitimidade democrática e representativa da Convenção que redigiu o T.C.E. É mais do que patente
que este argumento não é falso, não se encontra camuflado. É concreto, real e verdadeiro. E consubstancia um atropelo à própria Declaração de Laeken porquanto aprofunda ainda mais o défice democrático e de participação popular na construção do Projecto Europeu, que, ironicamente, é uma das razões apontadas para a “Encruzilhada” a que chegara a União Europeia:
No interior da União, há que aproximar as instituições europeias do cidadão. Os cidadãos, subscrevem, sem dúvida, os grandes objectivos da União, mas nem sempre entendem a relação entre esses objectivos e a actuação da União no quotidiano. Pedem às instituições que sejam menos pesadas e rígidas e, sobretudo, mais eficientes e transparentes. Muitos consideram também que a União se deve dedicar mais às suas preocupações concretas e não entrar em pormenores em domínios que, pela sua natureza, poderiam ser confiados com vantagem aos eleitos dos Estados-Membros e das regiões. Alguns vêem mesmo nisso uma ameaça à sua identidade. Mas, o que é porventura ainda mais importante, os cidadãos consideram que, demasiadas vezes, tudo é combinado nas suas costas e desejam um maior controlo democrático”.
Diz o povo que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. Mas isso é o que o povo diz…

j.marioteixeira@sapo.pt