quinta-feira, 22 de setembro de 2005

Ironias da vida

A Revolução de Abril vista objectivamente, sem pinceladas românticas ou filosóficas, foi uma clara manifestação [no mais radical sentido] de insatisfação militar: as comissões do Ultramar e respectivas carreiras profissionais. Não foi por acaso que se tratou, em grande parte, de uma Revolução de Capitães.
Tal manifestação deu lugar à conquista da liberdade e à democracia.
Hoje, numa sociedade em que democracia está formalmente institucionalizada por consagração constitucional, os militares lutam pela possibilidade de se manifestarem.
A coesão do Estado prevalece, ou deverá prevalecer, sobre os interesses corporativos. E uma manifestação militar de reivindicações poderá pôr em cheque a coesão do Estado. Mas não deixa de ser irónico. Tanto mais que tanto se fala nos militares de Abril e da importância da Revolução de Abril para a instauração da democracia em Portugal, ao mesmo tempo que sistematicamente se tem ignorado reivindicações dos militares.
O problema não está no caso dos militares partilharem com os demais as dificuldades dos tempos de crise, como quer fazer crer o Governo. A questão é mais antiga, e reporta-se aos tempos de fartura em que os militares continuaram a ficar à margem do banquete.