sexta-feira, 30 de setembro de 2005

Semeada do mal

As opções presidenciais que se perfilham, denotam uma clara incapacidade da República se renovar. E, pior, pelo meio surge um poeta republicano amante da liberdade que começa por dar razões para não se apresentar como candidato [não fracturar a Esquerda ou o eleitorado do PS] para depois apresentar desculpas para se candidatar [a Esquerda e a República afinal precisam dele].
Em pouco tempo este Governo conseguiu diluir o seu estado de graça. O modo como a comunicação social começa a escarafunchar o terreno socialista, até há bem pouco tempo com aparência impoluta, assim o demonstra. Começam a vir ao decima os grandes contributos dessas grandes figuras nacionais a quem a Pátria tanto lhes deve - como António Vitorino e Pina Moura - o papel das sociedades de advogados e os clientes estrangeiros.
O que terá mudado? O que terá acontecido para que as coisas tenham mudado em pouco tempo, em alguns meses?
A época de fogos – algo que existe com a mesma naturalidade como a época balnear ou a época natalícia -, mostrou os primeiros sinais de fragilidade moral e de responsabilidade política do Executivo, as afirmações e as contradições. Começou aí.
Agora, o recente “caso Fátima Felgueiras” torna tudo ainda mais sórdido, e as alegadas implicações do PS no regresso da “Fatinha”, acompanhadas por uma invulgarmente célere e imaginativa jurisprudência, colocam Portugal perante uma dúvida incómoda e maldita: será ainda possível confiar na existência de um efectivo Estado de Direito Democrático de poder tripartido [Legislativo, Executivo e Judicial]?
Não se pense, todavia, que este lamaçal em que a nossa República se afunda é coutada do PS. O caso é bem mais grave: em poucos anos de democracia dá para perceber que o Estado está manietado por interesses que não são públicos, os partidos políticos e respectivos aparelhos regem-se por lógicas alheias ao interesse público e que o fim do Direito Corporativo não pôs fim ao refinamento do corporativismo.
A desconfiança nos órgãos de soberania existe e tem razões para existir. E começa a tornar-se irremediavelmente perigosa à medida que a Justiça começa a ficar sob a alçada da suspeição. Casos como a “Moderna”, “Casa Pia” e “Fátima Felgueiras”, em nada contribuem para a acreditação dos tribunais. E se somarmos a lentidão, ainda pior. Em todos estes casos há um corrosivo e persistente denominador comum: as suspeições de promiscuidade entre o poder político e a Justiça.
E ainda há quem se admire com o crescimento do radicalismo de Direita. Pior: há quem desvalorize.

j.marioteixeira@sapo.pt