sexta-feira, 21 de outubro de 2005

A crise do Projecto Europeu [2]

A abertura a Oriente das aduanas europeias partiu de um pressuposto óbvio e evidente que tem vido a ser ocultado: haverá possibilidade de concorrência se a Europa abdicar do Estado social de modo a fazer baixar o custo de produção, o custo social. Se o preço da mão-de-obra não comportar os actuais custos, nivelando-se bem abaixo do que é a remuneração média na Europa, então aí teremos possibilidades de concorrer com a mão-de-obra quase escrava do Oriente.
Haverá quem argumente que uma via de ganhar nesta competição com o Oriente é a de apostar na qualidade e nos produtos de valor acrescentado. Acontece que tal via não dá resposta a três questões:
1 – A qualidade importa um preço, pois não se pode estar à espera que uma camisola ou um par de sapatos de qualidade custe o mesmo. Assim sendo, a qualidade é para ser vendida a quem? Àqueles cujos salários têm vindo a crescer abaixo da inflação há diversos anos?
2 – Ainda que a qualidade continue a ter mercado – porque as dificuldades económicas de disponibilidade de rendimento não impede nem o endividamento nem a existência de concentrações de fortuna, pelo contrário -, também o que é tido como de qualidade – tantas vezes confundido com a “imagem de marca” – se faz no Oriente. Não é difícil ver etiquetas “Made In China” em roupas quer das “lojas dos chineses” quer das lojas de vestuário de prestígio. As principais marcas de moda há muito que produzem no Oriente.
3 – Os bens de valor acrescentado, onde existe inovação também não dão resposta aos problemas sociais nos próximos anos, pois não se vislumbra como é possível promover uma reconversão industrial em massa, desde os instrumentos de produção até à qualificação profissional. Para que aqueles que hoje produzem camisolas de lã passem amanhã a trabalhar em micro-chips. Nem a indústria dos produtos de valor acrescentado ou de inovação poderão absorver toda a mão-de-obra disponível. Pelo contrário: a crescente mecanização/robotização das produções leva a que a intervenção humana se torne cada vez mais prescindível.
A UE colocou-se a si mesma numa encruzilhada bem mais grave do que aquela que em que se diz encontrar do ponto de vista da articulação institucional. O ritmo e o sentido da mudança social é ditado de fora para dentro, numa corrida contra o que é – ou deveria ser -, a essência do Projecto Europeu: o aprofundamento do Estado Social.