quinta-feira, 27 de outubro de 2005

“What a Wonderful World”

O papel colado por dentro da porta da Conservatória não deixa margem para dúvidas: “Encerrado por motivo de greve”. Guardo o talão que possuo desde 26 de Junho de 2005 para levantar um simples registo de aquisição. Um registo que ainda não está feito mas que já está pago: € 150,00. Porque o Estado não funciona sem dinheiro à vista, isso é um risco que só os privados podem assumir, contando apenas com a garantia dada pela nossa Justiça.
Ao ouvir a TSF, escuto a disputa dos números de adesão à greve dos magistrados e dos funcionários judiciais entre sindicatos e o Governo, e logo um magote de bizarrices assalta-me a memória, como o processo que aguarda no Tribunal de Gondomar pela resposta aos quesitos desde Fevereiro deste ano ou aquele outro, sumaríssimo, que foi intentado em finais de 2004 e onde não houve contestação nem qualquer avanço, ou aquele processo do antigo tributário que se arrasta desde 1999…
A talhe de foice, lembro-me da senhora que foi ao hospital com queixas e mandaram embora sem grandes exames para depois sofrer um AVC e o idoso de 92 anos a mancar que é mandado embora com uma pomada para depois descobrir que tem uma fractura da tíbia.
Para além da “corporativite crónica” de que sofre o nosso país, dos usos e abusos de associação sindical e recurso à greve, das prerrogativas legais de que certas castas profissionais usufruem, há um défice muito mais grave do que o das Contas Públicas: o défice do mérito e da responsabilidade pessoal. As progressões nas carreiras devem obedecer cada vez mais ao mérito com que são exercidas e a responsabilização pessoal deve ser institucionalizada.
E lá ia eu neste pensamento, quando decido ouvir o CD de música que viaja no leitor do carro e escuto uma voz rouca e vincada a cantar “I see skies of blue and clouds of white, the bright blessed day, the dark sacred night, and I think to myself, what a wonderful world…”
Valeu-me Armstrong para salvar o dia.

j.marioteixeira@sapo.pt