terça-feira, 15 de novembro de 2005

Coisas assim

O maior aliado da violência é o silêncio. Se assim não fosse há muito que os pescadores da beira-rio, amadores ou profissionais, estavam sob a mira de contestação. Isto porque o peixe é o animal mais vilipendiado pelo ser humano. E tal acontece por uma razão: sofre em silêncio.
Se por acaso o peixe tivesse cordas vocais e desatasse a fazer um berreiro assim que fosse puxado para fora de água, não haveria que não ficasse incomodado com o barulho e não lançasse um olhar de censura.
O mesmo se diga das lotas e dos mercados: muita gente gosta de ir ver o “peixe fresco” a saltar. Aquilo, sim, é um regalo para a vista: o animal a morrer asfixiado, contorcendo-se em agonia mexendo silenciosamente a boca como se fossem espasmos.
Já matar um touro de estocada, ou espetar-lhe bandarilhas no cachaço, é errado, faz o pobre do animal de centenas de quilos sofrer. Ver um cão a ganir de sofrimento por ter sido atropelado, dá pena. Assistir à matança de um porco impressiona.
Agora ver trutas, carapaus, fanecas ou robalos aos pinchos, ver o “peixe vivinho”, é um espectáculo. Ou então é um desporto calmo, de contemplação, de serenidade, como a pesca: sacar um peixe da água preso por um gancho na boca e deixá-lo asfixiar até à morte. Em silêncio.
Isto assim é, recorde-se, porque o peixe é mudo, não incomoda. Mexe-se, contorce-se, mas em silêncio. Não incomoda os ouvidos, porque não se faz ouvir. Por isso o peixe sofre, e por isso ninguém se preocupa com ele: não faz barulho.
Isto para concluir que fazer barulho é muito importante: os peixes que o dissessem, se pudessem...

j.marioteixeira@sapo.pt