quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

Economia sem política

Olhando para trás, e lembrando os bons ensinamentos de Economia Política que tive, apercebo-me que ou os tempos mudaram radicalmente e podemos rasgar a maior parte dos tratados sobre a matéria ou então nada daquilo que outrora se ensinou tem qualquer interesse perante as actuais teses e praxis.
A redução do rendimento disponível é uma prática concertada por toda a Europa. Em Portugal é notório que a perda de poder de compra tem vindo a acentuar-se nos últimos 6 anos. Os aumentos salariais contidos com a constante desculpa da trilogia crise/competitividade/contas públicas, serviram apenas para reduzir a capacidade de compra e a qualidade de vida dos portugueses: de resto nem o país saiu da crise, nem ganhou competitividade, nem resolveu o desequilíbrio das contas públicas.
Chegados ao presente momento, depois de bombardeados com constantes apelos à esperança, ao optimismo, à confiança num futuro melhor, eis que o Governo que diz querer restabelecer a confiança nacional, avança com uma proposta de aumento salarial de 1,5%, dizendo o Ministro das Finanças que não há dinheiro para mais.
Ora, para além do cisma social que já existe e que pode agravar-se de modo mais perigoso, existe ainda algo bem mais macabro: quem é a suma inteligência que acha que uma economia pode sair da crise e entrar em retoma com uma população sem rendimento disponível para consumir?
Há coisas que são básicas: o esganar dos rendimentos leva ao esganar do consumo, e sem consumo não há retoma possível. Tem ainda um efeito colateral perverso: o aumento crescente do endividamento, algo que tem vindo a ser denunciado pelos últimos estudos do Banco de Portugal.
Aprofundar políticas de redução do rendimento disponível, fazer o poder de compra dos trabalhadores perder todos os anos para o aumento generalizado dos preços, reduzir os direitos sociais por mera lógica contabilística e permitir que o mercado continue distorcido a favor de quem não conhece custos sociais e fiscais, inclusive no próprio território nacional [veja-se, por exemplo, o regime fiscal privilegiado das denominadas “lojas dos chineses”], retiram à expressão “economia política” a vertente “política” que deveria ter.
Por estas bandas, a gaveta é um clássico refúgio do socialismo.

j.marioteixeira@sapo.pt