quinta-feira, 13 de outubro de 2005

Corporativite crónica [2]

Quando a corporative crónica se manifesta de modo inflamado e infecto-contagioso em órgãos de soberania, como são os tribunais, quando o próprio Estado se deixa contaminar num dos seus três pilares essenciais, é o próprio Estado de Direito que fica ameaçado. Uma ameaça que serviu, e bem, para justificar o impedimento de quaisquer manifestações dos militares, não parece conseguir surtir efeito para pôr na ordem quem quer vilipendiar os pressupostos republicanos a coberto de um ignóbil direito de associação sindical que urge erradicar.
Durante anos, o ónus dos atrasos nas reformas da Justiça impendeu sobre a classe dos advogados, apontados como resistentes às mudanças, manipuladores das garantias e dos direitos instituídos como entraves à transformação. Todavia, durante os últimos anos, foram eles quem viram a sua voz a enfraquecer aos ouvidos do legislador, suportaram os custos de um apoio judiciário que facilita o acesso ao Direito e aos tribunais por banda do cidadão mais carenciados, padecem dos atrasos dos tribunais e do descrédito da Justiça por quem dão a cara aos clientes, e vão sendo progressivamente ignorados pelas magistraturas.
Mesmo assim, os advogados - aqueles que o são mesmo, que vão aos tribunais, às conservatórias e aos notários, que fazem julgamentos e debates instrutórios, etc., e que não se devem confundir com a nova advocacia societária que se move por caminhos misteriosos - ainda teimam em querer debater a Justiça e as suas reformas, a sua Ordem teima em defender o Estado de Direito Democrático acima dos interesses da classe, e persistem em defender o acesso ao Direito e aos tribunais como meios essenciais a uma efectiva cidadania.

j.marioteixeira@sapo.pt