Para além do problema genético [abordado aqui] de que sofre a
Constituição Europeia, milita contra a sua ratificação, entre outros, o argumento da pressão federalista que emana do próprio Tratado. A começar, também aqui, pela sua base.
Uma Constituição Europeia de Estados soberanos, visa transformar a Europa das nações na Europa nação. Em nenhum outro caso se assiste a um conjunto de Estados soberanos partilharem uma mesma Constituição. Todos os exemplos vigentes se reportam a Estados federados: EUA, Rússia, Brasil, etc. O que tem isto de errado? Nada, se acharmos por bem transformar a Europa numa nação, estatuindo uma bandeira, uma moeda, um lema, um hino, um ministro dos negócios estrangeiros [Artigo I-28º], o que importa uma política externa comum, bem como uma política de defesa comum, abarcando, por exemplo, acções/apoios militares [aliás expresso no Artigo I-16º]. E é isso mesmo que estatui a Constituição Europeia [Artigos I-8º, I-16º; I-28º, entre outros]: todos os “símbolos heráldicos” de uma nação.
Temos, assim, que a Constituição Europeia visa acelerar o passo do Projecto Europeu rumo ao federalismo, e tudo nos é apresentado como se esta fosse a única via possível, por três meios evidentes:
1 – Apresentar a Constituição Europeia como expressão máxima da capacidade de inovação e de transformação da União Europeia, tentando dar um sinal de arrojo histórico. Embora omita que além do processo de não ter sido democrático, a Convenção que redigiu o texto não estava sequer mandatada para tal;
2 – Tentar silenciar as vozes discordantes do caminho traçado, primeiro aproveitando [abusando] o mandato conferido à Convenção e depois rotulando os críticos ao rumo traçado de “soberanistas”, “eurocépticos”, “nacionalistas”, “alarmistas”, etc. Tudo porque não se tornava viável nas nações mais antigas aprovar com plenos efeitos a Constituição Europeia sem consulta popular [ao contrário dos países de Leste que imbuídos do espírito de “bons alunos” resolvem a questão parlamentarmente]. Ora, isso implica debate, pronúncia, crítica, participação popular, o que choca com o espírito de que resultou o texto constitucional europeu. De ver que até agora, têm sido os defensores do “Sim” a rotular os defensores do “Não”, o que é sintomático.
3 – Por fim, a Teoria do Caos: sem Constituição Europeia, é o caos na Europa! Sem mais. Não há concessões ou alternativas. Uma clara manifestação chantagista que tem ganho adeptos em França, cuja importância do referendo à ratificação se espalha além fronteiras. A ideia é muito clara: sem Constituição Europeia não temos Europa. E talvez não tenhamos, se entendermos que a Europa deverá ser a Europa-Nação, e já não a Europa das Nações, e se continuar a persistir a resistência ao debate que continua por se fazer: qual o rumo que os povos desejam para o Projecto Europeu? Quais são as suas aspirações? Com que Europa sonham e ambicionam?
Livres de rótulos e de soberbas, um dia que haja verdadeira disponibilidade para se escutar o que as pessoas querem, talvez então seja possível recuperar as raízes da Europa das Nações. Até lá, vai prevalecendo a união dos Estados em detrimento da união das pessoas.
j.marioteixeira@sapo.pt